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Erika Franziska

A ciência está no ar

A jornalista Erika Franziska é o que se pode chamar de uma divulgadora multimídia: ao longo de 25 anos, trabalhou pela difusão da ciência no rádio, na televisão e em veículos impressos. Sua atuação foi especialmente expressiva nos meios eletrônicos, nos quais ajudou a levar a ciência à paisagem audiovisual brasileira e, com isso, tornou acessível a milhares de pessoas o resultado de pesquisas desenvolvidas no país.

No entanto, Erika faz um diagnóstico pessimista do quadro atual da divulgação científica na mídia eletrônica brasileira. Rádio e TV não dão o espaço que deveriam à ciência e, com isso, contrariam uma função social fundamental que deveriam assumir como concessões públicas. Para ela, essa constatação é especialmente frustrante quando se tem em mente o grande potencial desses veículos para a transmissão do saber: o rádio é o mais democrático dos meios, e a TV conta com a força das imagens para explicar os mais complicados conceitos da ciência.

Na entrevista a seguir, concedida a Bernardo Esteves em fevereiro de 2004, Erika faz um balanço de sua trajetória profissional e avalia o potencial para a divulgação científica de cada um dos meios em que trabalhou.

Leia aqui a biografia de Erika Franziska Herd Werneck

Qual foi sua primeira experiência na divulgação científica?
Comecei minha carreira em 1969. Trabalhei primeiramente na Rádio Nacional e, depois, fui para O Globo. Nesses veículos, eu era repórter da editoria geral, fazia de tudo. Até cheguei a entrevistar secretários de ciência, mas a estréia na divulgação científica sistemática aconteceu dez anos depois, com o programa de TV Nossa Ciência, da TV Educativa, em que fui trabalhar a convite do Nilson Lage.

Como era esse programa?
O programa durava uma hora e era todo feito em película. Foi a primeira vez que se fez algo assim no Rio de Janeiro! Íamos aos laboratórios, filmávamos os cientistas trabalhando, e depois o cientista responsável por aquela equipe ia ao estúdio da TVE com dois pesquisadores de outras instituições, que abordavam a mesma temática. Conduzia o debate o saudoso Ivan Alves – jornalista fantástico, que nos ensinou muito sobre jornalismo e ética. Eu era responsável por toda a pesquisa de conteúdo e por um grande texto sobre o assunto.

Quais eram os temas abordados?
A pauta era a ciência no Rio de Janeiro. E por que no Rio? A razão fundamental é que não tínhamos dinheiro para viajar... O Rio concentra um enorme número de instituições científicas, e queríamos valorizar a ciência feita nesses laboratórios. Lembro que um dos primeiros programas foi com o professor Darcy Fontoura. Fizemos também programas com Roberto Lent  [link], Ennio Candotti... Os temas cobriam desde ciências exatas até as ciências humanas, como antropologia ou história. Onde tinha pesquisa, a gente queria estar lá.

Quanto tempo durou esse projeto?
Foram feitos dez programas semanais. A iniciativa acabou pela dificuldade de se produzir em película, pela falta de recursos financeiros para dar continuidade ao projeto.

Essa foi então uma iniciativa pioneira de divulgação científica na TV...
Antes disso, no início da década de 1950, quando a televisão se estabeleceu no Rio de Janeiro, havia na TV Rio ou na TV Tupi, não me lembro bem, um programa em que o professor [Antenor] Romanholo era entrevistado pelo Leo Batista. Era feito ao vivo, em estúdio. Não sei ao certo qual era o formato, mas tratava-se de um programa de entrevistas em que ele falava de física e matemática, como me contou certa vez. Não se tratava de divulgação de ciência pela TV nos moldes que conhecemos hoje: o programa era mais rudimentar, como era a TV em seus primeiros passos. Mas o mérito dessa iniciativa permanece.

Você participou de outras iniciativas de divulgação científica na TV entre o Nossa Ciência e o Globo Ciência?
Após o fim do Nossa Ciência, continuei na TVE, fazendo matérias no jornalismo diário. Fazia um programa semanal chamado As Repórteres, em que tive oportunidade de retomar a questão da ciência e da cultura, fazendo matérias mais aprofundadas. O convite para trabalhar no Globo Ciência veio em 1986, após uma viagem que fiz à Antártica, enviada pela TVE.

Como foi essa ida à Antártica?
A viagem foi fantástica. Não fui fazer especificamente jornalismo científico: minha missão era apenas acompanhar a expedição brasileira na Antártica. Então decidimos que, assim que eu chegasse, faria uma matéria e a tripulação do avião traria a fita de volta; depois, eu ficaria lá para fazer um especial. Vi todos aqueles homens e mulheres trabalhando e pensei em falar sobre o que eles faziam: então fiz Brasileiros no mundo branco, um documentário em que adorei trabalhar. Aquilo foi uma novidade para nós: eu escrevi e eles foram co-autores, pois discutíamos o texto para que nada saísse incorreto.

Qual a relação dessa viagem com sua estréia no Globo Ciência?
O Globo Ciência estava precisando de umas imagens da Antártica e pediu que cedêssemos. Cedemos e o diretor-geral, que era Sérgio Brandão, acabou me chamando para trabalhar no programa. Isso foi em 1986, quando o Globo Ciência existia há pouco tempo. Fiquei lá até 1991, fazendo sistematicamente divulgação da ciência.

Que balanço você faz desse período?
Foi uma experiência muito rica. Éramos uma equipe pequena, muito coesa e unida. Nada se fazia sem a participação de todos. Eu era responsável pelas reportagens e pelo roteiro dos programas nos quais tinha participação, assim como Irene Cristina, Luiz César Barata e Tâmara Leftel eram responsáveis pela reportagem e redação dos programas em que eles tinham participação. O próprio Sérgio Brandão também fazia matérias, além de dirigir a série. Os produtores eram muito bons; forneciam tudo o que precisávamos para desenvolver um bom trabalho. Desse time faziam parte Márcia Sanches, Lacy Barca, Mauricio Pedreira, Edna Ferreira, Geraldo Cantarino e Ricardo Sforza. Um detalhe interessante é que tínhamos um cinegrafista fixo, Amâncio Ronqui, que ia para o campo com toda a equipe. Ele sabia sobre o que eu ia falar e participava do contato que eu fazia com as pessoas, para que as imagens estivessem sempre em consonância com o texto. Essa foi a experiência de equipe mais bacana que tive: éramos um grupo muito coeso, tanto que somos amigos até hoje.

Qual era a sua função nessa equipe?
Eu era repórter, fazia a apuração e redigia o texto do programa. Inicialmente, o programa tinha apresentadora, mas a partir de um certo momento a apresentação passou a ser feita pelos próprios repórteres. A gente apresentava, entrevistava e narrava o off. O texto era nosso, mas discutíamos sua elaboração com a produção.

O Globo Ciência privilegiava temas ligados à ciência brasileira?
A preocupação com a ciência brasileira era total. A equipe do Globo Ciência percorreu o país do Amazonas ao Rio Grande do Sul. Conheci o Brasil graças à minha atividade no jornalismo científico: só não passei onde não tem instituições científicas... Até chegamos a fazer alguns programas no exterior, mas nunca um trabalho mostrava só o que se fazia nos EUA, Inglaterra, França, Portugal ou China: havia sempre uma relação com o Brasil.

Como esse programa era recebido pelo público?
A repercussão era muita. Em uma semana, por exemplo, chegaram duas mil cartas tratando de um programa sobre água feito por Irene. O programa que mais me chamou a atenção nesse aspecto foi uma reportagem sobre timidez. Em uma semana, chegaram mais de mil cartas. Uma pesquisadora fez, na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), uma dissertação de mestrado sobre a correspondência do Globo Ciência. Certa vez eu estava na UFRJ e uma senhora muito simples veio falar comigo. Ela me disse que via sempre o Globo Ciência e pediu que eu dissesse às pessoas que trabalhavam comigo que o programa era muito bom e muito importante “para nós, que somos pobres e sem cultura”. A gente fica achando que o povo só quer ver Big Brother ou Sergio Mallandro, mas não é assim se você oferecer um bom produto. O Globo Ciência passava às sete da manhã, mas ainda assim tinha uma boa audiência. As pessoas viam muito mais pela TVE, onde ele era reprisado à tarde, em horário mais acessível.

Por que você se afastou do Globo Ciência?
O programa era feito por uma produtora independente. Em 1991, a direção da Fundação Roberto Marinho resolveu mudar seu perfil e rompeu contrato com a produtora do Sergio Brandão. Saímos todos naquela época, e o Globo Ciência continuou num outro formato. O último programa daquela fase foi feito por mim, sobre cartografia.

Sua atuação na TV lhe rendeu o Prêmio José Reis...
Esse prêmio foi um Oscar que ganhei. Fiquei emocionada com o discurso de entrega, feito por Ennio Candotti. Ele disse que eu não estava ganhando pela minha participação no Globo Ciência. Era também por isso, mas não só, porque trabalhar lá era fácil: tínhamos recursos, o programa era bonito, muito bem feito. Mas Ennio queria lembrar do início da minha atuação no jornalismo científico, justamente no Nossa Ciência, que era um programa sem recursos, pioneiro, no qual tiramos água de pedra. Éramos muito determinados, perseguimos um objetivo e criamos um marco no jornalismo científico de TV no Rio de Janeiro.

Falemos um pouco agora de sua trajetória no rádio.
Comecei a trabalhar com rádio em 1969. No primeiro semestre da faculdade, comecei a trabalhar na Rádio Nacional e fiquei fascinada. Mas a primeira experiência de divulgação científica pelo rádio viria só no início de 1990, com o projeto E por falar em ciência, que desenvolvi na Universidade Federal Fluminense (UFF). Eu já tinha então a bagagem do Globo Ciência e do Nossa Ciência, e dava aulas de jornalismo científico na UFF. Em função da minha experiência anterior com rádio, juntei a fome com a vontade de comer e tive a idéia de desenvolver o projeto de um programa de divulgação científica no rádio com os alunos. Eu achava angustiante entrar numa sala e não ter um produto. Sem isso, era difícil mostrar aos meninos como se faz, como é estimulante, quais são as etapas...

Como surgiu a oportunidade de fazer um programa com os alunos?
Inicialmente, decidi fazer esse projeto para divulgar na Rádio UFF, uma rádio de alto-falante que tocava nos intervalos das aulas. Mas ninguém prestava atenção, pois os alunos estavam preocupados com outras coisas. Só quem estava envolvido com o trabalho ouvia, era muito amadorístico. Embora os alunos fizessem pauta, entrevistas e edição, como manda o figurino, aquilo era divulgado para ninguém, no meio do barulho. Foi aí que uma de nossas alunas – a Adriana Pavlova, hoje repórter de O Globo – que conhecia a equipe da Rádio Guanabara, conseguiu um contato lá dentro. Tivemos um espaço bom, onde fizemos uma série de programas sobre ecologia urbana. Quando esse programa terminou, decidi escrever um projeto, que levei a Luís Alberto Sanches – um colega da UFF , que tinha uma baita experiência de rádio, trabalhava na Rádio MEC e era a pessoa de comunicação da Faperj. Ele mostrou o projeto ao presidente da fundação, que se sensibilizou e me apresentou à direção da Rádio MEC, que foi muito receptiva. Foi feito um convênio entre a Rádio MEC e a UFF, e paralelamente a Faperj daria bolsa de iniciação científica para cinco alunos.

Como foi fazer esse programa?
Foi uma bela experiência para os alunos e para mim, porque conseguimos associar a prática e a teoria e realizar o produto, concretizar uma produção. Os alunos gostavam muito. Não havia férias, não era um esquema de sala de aula. Com a bolsa, eles podiam assumir o compromisso profissional: não era só brincar de fazer programa numa faculdade. Eu podia cobrar isso deles, inclusive exigir que trabalhassem em dezembro, janeiro, fevereiro, o que garantia um nível profissional ao programa.

Como eram os programas E por falar em ciência?
O programa era semanal. No início, ele era transmitido às sextas-feiras, mas o dia foi alterado mais de uma vez. A duração era de 15 minutos. Começamos com cinco, e a direção da rádio pediu que aumentássemos. Ele tinha o formato de documentário: havia uma apresentação, em que eu introduzia o assunto da matéria realizada pelo aluno, entremeada com entrevistas. Cada aluno participava da edição de sua matéria, narrava o seu texto e assinava a matéria. Mas houve algumas exceções: o programa com Ildeu de Castro Moreira, por exemplo, foi narrado por mim, do início ao fim, por conta da temática complicada – a teoria do caos. Apresentei um texto coletivo, com participação de Ildeu, minha e dos alunos.

Quais eram os temas tratados nesse programa?
Como eu tinha trabalhado no Globo Ciência, eu tinha um “arquivo de assuntos” que me ajudou muito. Mas nós discutíamos as pautas e alguns traziam sugestões. Cada um trazia alguma coisa, e eu dava minhas contribuições baseada numa experiência de anos anteriores. Os alunos se envolviam: às vezes alguém dizia que ia viajar e perguntava se valia a pena ir atrás de boas pautas. Um deles teve uma idéia genial, discutir astrologia versus astronomia, quando o Papa condenou as pessoas que liam horóscopo. Fizemos um programa sobre o tema. Fizemos também um programa bonito sobre o Natal brasileiro, a partir da pesquisa de professores de história da igreja e de folclore.

Como era a participação dos alunos?
Foi uma prática ótima para os alunos, porque eles tiveram a experiência de fazer rádio, exercitaram a apuração, a reportagem, a redação, a edição e a sonorização. Eu era professora da cadeira e coordenadora da equipe, e eles participavam de todas as etapas, do início ao fim, era tudo feito em conjunto. Não havia texto algum que fosse ao ar sem ser discutido comigo: quem trabalha em rádio precisa ter uma preocupação muito grande com as palavras e com o português – ainda mais numa emissora como a rádio MEC.

Qual foi a repercussão desse programa?
Não houve grande repercussão, porque não tínhamos produção, e já era uma época em que as pessoas telefonavam e não mandavam carta. No Globo Ciência, as pessoas escreviam, tínhamos uma caixa postal. O endereço da Rádio MEC era longo e, como só podia ser dito, certamente ninguém se dava ao trabalho de anotar. O rádio tem suas peculiaridades, só tem mais repercussão quando é ao vivo. Hoje, se eu fosse fazer um programa de divulgação científica no rádio, faria ao vivo. O programa gravado distancia, o programa ao vivo aproxima.

Que avaliação você faz dessa experiência?
O programa durou cinco anos, no final com muitas reprises, porque depois tivemos alguns problemas. Mas acho que o saldo foi muito positivo e válido. Quem participou da feitura do programa certamente tem uma visão muito mais ampla do jornalismo científico do que o aluno que apenas participou de aulas. O projeto teve um fim normal, porque me aposentei, mas o programa deixou frutos. Hoje, a professora Ana Baum, que dá aula de rádio na UFF, tem um programa que começou na Rádio MEC e agora está na CBN, que é o Universidade no ar. De certa forma, ele é uma continuidade do nosso trabalho. Não é feito só com cientistas e pesquisadores, mas aborda também projetos extracurriculares e de extensão da universidade, que envolvem a comunidade.

Como você avalia o potencial do rádio para o jornalismo científico?
O rádio ainda é o veículo mais democrático que existe. Não é preciso ter recursos financeiros para ouvir: qualquer um compra um radinho de pilha por cinco reais. Não é preciso saber ler ou escrever, nem ter luz elétrica, nem parar o que se estiver fazendo. Ouve-se rádio na roça, enquanto se capina; na cozinha, enquanto se cozinha o feijão; enquanto se toma conta da portaria; enquanto se aguarda um paciente no consultório; no carro. O rádio está em todos os lugares, a qualquer hora do dia. Acho fascinante poder falar para uma multidão e contribuir para acrescentar algo em termos de saber e de cultura. O rádio é um grande veículo. Se é desvantagem não se ver o que está sendo dito, é justamente a ausência da imagem que leva o ouvinte a usar a imaginação. Essa força do rádio é fantástica, porque ele trabalha com o imaginário, essa é a sua vantagem. No entanto, o rádio não é utilizado para divulgar ciência, ao menos no Rio de Janeiro. É lamentável. As emissoras são ocupadas por uma programação escatológica ou religiosa fanatizante. São raras aquelas que levam informações úteis ou uma programação que possa contribuir para elevar o nível de informação dos ouvintes.

É triste constatar isso quando pensamos que a introdução do rádio no Brasil se fez associada justamente à divulgação científica...
O rádio nasceu dentro da Academia Brasileira de Ciências (ABC), com Roquette-Pinto e Henrique Morize. Os acadêmicos davam dinheiro para mantê-lo no ar e faziam verdadeiras conferências ao microfone. Um ano antes, tinha havido uma experiência pioneira no Rio de Janeiro: ao se comemorar o centenário da Independência, montou-se no Castelo uma grande exposição internacional para mostrar as novidades tecnológicas que surgiam. E o rádio veio nessa onda: foi montada uma pequena estação ali, e o rádio nasceu no Brasil dentro de um conjunto de inovações tecnológicas no início do século. Esse meio nasceu de uma elite para uma elite, mas com o sonho de torná-lo um veículo aliado à educação e à cultura. Dizia Roquette-Pinto: “o rádio será a escola dos que não têm escola”.

Você mencionou a limitação do rádio na divulgação científica. Que tipo de estratégias você usou para contornar essa limitação?
A estratégia é saber transmitir a informação de forma simples para criar na cabeça do ouvinte a imagem daquilo que se está falando. A fórmula é ser claro, objetivo, ter uma boa dicção... As regras são as mesmas do rádio de maneira geral. Depende do entrevistado e do entrevistador: o interlocutor tem que ter a capacidade de dizer de tal maneira que as pessoas criem uma imagem correspondente àquela informação. O maior exemplo foi o programa que fizemos com Ildeu Moreira sobre a teoria do caos. Ele foi brilhante ao explicar o fenômeno do caos, ao usar figuras que fazem parte do cotidiano das pessoas.

Como foi a experiência de dar aulas de jornalismo científico?
A UFF é uma das únicas universidades do estado do Rio de Janeiro que oferece essa cadeira, ainda que opcional. A responsável pela cadeira era Sonia Aguiar, mas ela foi fazer doutorado e deixou de ministrar. E aí me perguntaram se eu queria oferecê-la, porque eu tinha a experiência do Globo Ciência e do Nossa Ciência. Eu era professora de radiojornalismo e telejornalismo, e concordei em assumir a matéria. Era uma cadeira bastante procurada em função do projeto do nosso programa. Quando a deixei, ela ficou um tempo sem professor, pois era optativa. Aí, Sonia Aguiar voltou a dar a disciplina.

Como eram suas aulas?
As aulas eram dadas na faculdade, em torno de uma mesa. Discutíamos a importância da divulgação científica e eu procurava mostrar que a ciência não é um bicho de sete cabeças. Tínhamos uma aula por semana, com 4 horas de duração. Mas o projeto prático do programa E por falar em ciência, que era o carro-chefe da disciplina, nos tomava o dobro ou o triplo do tempo. O número de alunos variava entre dez e 15, em média, por se tratar de uma cadeira optativa. Eles buscavam, sobretudo, a possibilidade de vivenciar aquela prática, creio que é isso que despertou o interesse deles.

Como você avalia o período em que formou jovens divulgadores?
Na minha vida acadêmica e profissional, esse foi o período mais rico. Alguns alunos enveredaram por esse caminho, mas não sei mais quem ficou: o jornalismo científico você não escolhe, na redação acaba uma editoria e o jornalista vai para outra... Sei que uma ex-aluna da UFF, Thaís Ladeira, hoje dirige a Rádio Nacional da Amazônia. E o primeiro contato dela com rádio foi no nosso programa. É muito gratificante!

E a TV, como pode ser usada para divulgar ciência?
A televisão é, sem dúvida, o grande veículo de divulgação científica. Ela pode mostrar o que se faz: temos ali a imagem, o texto e a fala do cientista. Se eu digo que pego a célula e faço algo com ela no microscópio, posso mostrar – é essa a grande vantagem.

Você acredita que esse potencial está sendo bem utilizado?
Deveria haver espaço na televisão brasileira para se divulgar ciência. O rádio e a TV no Brasil são concessões públicas e, portanto, devem ter compromisso com a transmissão do saber, com a informação, a educação e a cultura, da maneira mais ampla. Inclui-se aí a divulgação de ciência, porque ciência é cultura... A TV deveria assumir esse compromisso. É lamentável que as pessoas não tenham essa visão e achem que divulgação científica é uma coisa elitista – não é. Basta mostrar que a ciência está presente no dia-a-dia... Não é preciso conhecer ciência para ser informado sobre o que é feito nos centros de pesquisa. E é possível também discutir a política científica e cobrar a continuidade das atividades de pesquisa. Divulgar ciência no Brasil é prestar contas à sociedade do imposto que ela paga.

E como fica o meio impresso nessa discussão?
A grande vantagem do impresso é que ele pode ser guardado. A desvantagem é o alcance menor da informação: menos pessoas têm acesso, porque ler uma publicação que não seja de distribuição gratuita exige um poder aquisitivo maior, além de saber ler e escrever. O ideal para a divulgação científica seria que os meios se complementassem.

Você também trabalhou com divulgação científica na Faperj...
Fiz na Faperj um trabalho interessante, com uma equipe que fomos construindo. Dominique Ribeiro e eu fomos chamadas para desenvolver um núcleo de difusão científica e tecnológica. Entramos em 1999 e ficamos até agosto de 2003. Fizemos as publicações Faperj 2000, Faperj Notícias e a revista Nexo. Organizamos também um curso de atualização em jornalismo científico, que rendeu um livro. Essa experiência gerou um contato constante com cientistas: alguns nos procuravam em vez de procurar o Jornal Nacional para dar uma notinha, porque era interessante para eles falar para a comunidade acadêmica. Muita coisa que a gente divulgou virou notícia nacional e internacional. Nosso veículo tinha a função de abastecer outros veículos com informações científicas.

Como foi fazer divulgação científica dentro de uma agência de fomento?
Uma instituição que financia a pesquisa científica no estado, com o imposto da população, tem obrigação de prestar contas. E o núcleo de difusão de ciência, entre outras coisas, era uma forma de prestar contas à sociedade e de manter um intercâmbio entre a comunidade científica. Nossos veículos eram enviados a todos os bolsistas da Faperj e a outras instituições. Foi muito importante a criação desse núcleo: levamos a Faperj às reuniões anuais da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e mostramos o que era a fundação e seus produtos.

Qual é o maior desafio para um jornalista fazer boa divulgação científica?
Não é preciso ser formado em química ou física para ser um jornalista de divulgação da ciência: tem que ser, sim, um bom jornalista, que conheça seu ofício e saiba levar a linguagem hermética do cientista para o público de forma compreensível, porque ele é o mediador. Para isso, cientista e jornalista têm que ser aliados. O jornalista tem que perguntar, tem que se colocar no lugar do telespectador, do ouvinte, do leitor. O desafio é o mesmo que existe há vinte anos. Hoje, ele é até muito menor, porque os cientistas estão muito mais receptivos aos jornalistas do que quando comecei a fazer divulgação. Além disso, nós jornalistas já avançamos muito, porque não sacralizamos mais o cientista, que não é mais considerado um deus numa torre de marfim.

Como você enxerga o espaço da divulgação científica no Brasil hoje?
Muita coisa evoluiu, mas muito ainda tem que ser feito. Lamento que os jornais não tenham editoria de ciência e não invistam nisso. É muito mais fácil pegar uma matéria do exterior, de agência, que já está pronta... E lamento profundamente que um veículo como o rádio não tenha programas de divulgação. Porque no rádio não precisa de muito dinheiro... A produção para fazer jornalismo científico no rádio é mínima: é preciso apenas um produtor, um assistente de produção, o estúdio, um profissional e o cientista para falar. Não precisa sofisticar a programação para fazer bem feito: no Globo Ciência, fazíamos um programa simples, que para padrões de televisão não era dos mais caros.

Temos visto um crescimento da divulgação científica no Brasil, ao menos nos veículos impressos. Essa tendência se verifica também nos meios eletrônicos?
Em rádio, não vejo paralelo algum. Na televisão, muito do que existia acabou e outras iniciativas continuam, mas a divulgação não cresceu. Hoje temos muito mais matérias no jornalismo diário sobre questões científicas e tecnológicas, mas não há programas de divulgação de ciência. Para mudar esse quadro, é preciso abrir a cabeça dos donos das empresas que têm a concessão pública, que preferem colocar outras coisas no ar. É preciso também convencer os anunciantes...

Biografia

Erika Franziska Herd Werneck nasceu em 1947, na cidade alemã de Landshut, na Baviera, e se mudou com a família para o Brasil quando tinha sete anos. Ela se formou em comunicação social em 1971, mas dois anos antes já estreara na profissão de jornalista, como repórter da Rádio Nacional. Como jornalista de rádio e TV, passaria ainda pela Rádio Eldorado (atual CBN), pela TV Educativa e pela Rede Globo, onde foi repórter do programa Globo Ciência – atuação que lhe rendeu o Prêmio José Reis de 1991. Mestre e doutora em comunicação social formada pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), foi professora da Universidade Federal Fluminense (UFF) entre 1973 e 1997. Ali, foi responsável por uma disciplina optativa de jornalismo científico, na qual realizou com a equipe de alunos o programa E por falar em ciência. Após se aposentar, coordenou o Núcleo de Difusão de Ciência e Tecnologia da Fundação de Amparo à Pesquisa do Rio de Janeiro (Faperj).


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